sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Da esperança

Embora me repita a mim mesma, todos os dias, que os cabelos brancos que se atropelam na minha cabeça vão valer o seu sacrifício no futuro, há alturas em que me pergunto se realmente colherei os frutos do que ando a semear.

Será que o meu filho ouve o que lhe dizemos e compreende que só queremos o melhor para a sua vida? Será que lhe fica alguma coisa das lavagens cerebrais diárias? Da expurgação que tentamos fazer dos maus vícios a que está tão irremediavelmente exposto?

Ontem à noite senti que sim. Acreditei que se tornará um ser humano de valor, não apenas porque é uma criança doce e meiga, com um coração bom mas também, indubitavelmente, graças ao nosso acompanhamento, empenho e dedicação.

Estávamos a jantar e já não sei como, falámos do papel dos pais na vida dos filhos e do quanto certas medidas que são vistas por estes como malévolas, visam apenas protegê-los das atrocidades do mundo.

O papa dizia: quando tiveres os teus filhos vais perceber que tiveste (e tens) pais espetaculares. Inicialmente o meu pequeno príncipe repetiu o que já nos tinha dito várias vezes: eu não vou ter filhos. No entanto, e reponderada a hipótese de os ter, afirmou que faria com eles o que nós fazemos consigo: controlar os conteúdos que vê na televisão, para que não cresçam com o “cérebro roto”.

Explicou-nos que se apanhasse os seus herdeiros a prevaricar (o exemplo que nos falou foi: a ver o Naruto) que os punha 3 meses de castigo, com a obrigação de aprender a história de Portugal num ano.

É um castigo bastante curioso, este de aprender história. E severo, o da proibição de ver ecrãs durante tanto tempo. Nunca lhe impusemos mais do que uma semana de detox. É caso para dizer que o aprendiz supera o mestre.

Desta conversa retiro que o meu pequenote compreende perfeitamente que as limitações que impomos à sua vida são para o proteger e que são das maiores provas de amor que lhe poderíamos dar.

A três é que é bom!



quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Do que a natureza nos dá

Uma das coisas que não consigo fazer durante a semana, e que lamento, é caminhar. Embora vá a pé levar o meu príncipe à escola e faça pequenos trajetos na hora do almoço, são pouco mais do que meia dúzia de metros e não chega para ser qualificado como caminhada.  Tem dias que os passos efetuados não bastam para que não seja classificada como uma pessoa sedentária.

Por conseguinte, ao fim de semana temos de compensar.

A tarefa “ir passear o Mickey” tem, portanto, um significado muito mais abrangente que o simples facto de levar o cão à rua. É claro que todos os dias sai: de manhã vai connosco à escola; à tarde vai buscar o dono ao acolhimento; e à noite dá mais um giro. Mas ao sábado e domingo prevemos sempre um grande passeio, para que possa esticar as pernas – ele e eu também.  

O papa nem sempre nos acompanha – ocupado a cumprir outras lides – mas o pequeno príncipe não tem escapatória.

Já contei que refila e reclama e faz todo um cinema para sair, convencido que, se ficasse em casa, poderia alapar o cu no sofá a ver televisão. Mas não lhe serve de nada. “O cão é teu, tens de te ocupar dele” –  frase que uso invariavelmente, para lhe incutir o sentido da responsabilidade.

Portanto, obrigado a sair, uma parte do trajeto – quando não todo – é passada a barafustar. Porque isto, porque aquilo, patati, patata.

Embora na esmagadora maioria as nossas saídas acabem por ser, finalmente, extremadamente agradáveis e gratificantes, é cansativo ouvir a mesma ladainha, como um disco riscado. Por isso, tento distraí-lo das barbaridades que diz, arrastando a conversa para outro assunto que não seja o “passear” e mostrando-lhe as coisas singulares que cruzamos no caminho. Procuro chamar a sua atenção para detalhes na paisagem, as cores, os sons, as obras de arte que a natureza cria, sem a mão do homem.

Nos dois últimos fins de semana decidimos apanhar castanhas (daquelas que não são comestíveis) para fazer o que eu chamei “um projeto de outono”.  
E no domingo à tarde, depois de uma excursão em família pela floresta, estivemos a conceber, a 6 mãos, a nossa coroa outonal. O pequenote bem que se divertiu a perfurar, com a ajuda do papa, as castanhas com a máquina de furar.

Não tendo resultado numa coisa espetacular – porque me faltava algum material – foi elaborada num momento de partilha e isso é que é o mais importante. O tempo que passamos juntos. O tempo que dedicamos uns aos outros. O amor.

A três é que é bom!





 

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Dos progressos

Nem sempre fui assim.
Tempos houve em que ia com alguma regularidade à natação e cheguei a fazer aulas de hidroginástica – as últimas durante a gravidez [estas foram sessões que me deram um prazer descomunal. Uma das monitoras parecia um sargento da tropa, a puxar pela terceira idade que constituía o meu grupo. Na minha plenitude de mulher com o rei na barriga, fazia o que me apetecia, exibindo com orgulho um ventre avantajado].

Contudo, desde que tenho o meu pequenote – e que afazeres é o que não me falta – todas as desculpas são boas para me furtar a uma ida à piscina.

Porém, e quem tem filhos sabe disso, a persistência deles é à prova de bala. Chega sempre o momento em que temos de ceder. Se não para dar o exemplo – e mostrar que os pais também fazem coisas que não gostam – ao menos para lhes fazer prazer.

Conclusão: ontem foi dia de dar um mergulho!

Na verdade, o nosso filho tinha um argumento muito válido para nos querer levar à piscina: é que depois de o termos demovido do futebol, conseguimos convencê-lo das virtudes da natação (que frequenta desde meados de setembro) e ele queria muito mostrar-nos o que já sabe fazer.

Como as aulas são aos domingos de manhã – para não quebrar o ritmo de levantar cedinho todos os dias 😝– combinamos que faríamos uma hora de natação os 3, logo a seguir.

Indiscritível a alegria e boa disposição do meu menino, todo contente de nos ter ali consigo e empenhado em demonstrar os seus progressos – que são evidentes! A última vez que o tinha visto numa piscina a tentar fazer alguma coisa que se assemelhasse com nadar, fora no verão. A sua evolução foi enorme! Precisa trabalhar a respiração mas já se desenrasca bastante bem.

Mostrou-nos como sabe nadar de bruços, de costas, de crawl e até fazer de tubarão. Esta foi uma invenção sua: nada com as mãos unidas nas costas, fazendo realmente lembrar a barbatana desses “monstros” dos mares, devoradores de tudo o que mexe.

Sei que não será uma atividade a repetir com a frequência que o filhote gostaria – requer demasiada logística – mas vamos tentar ser mais assíduos. Porque o seu sorriso rasgado é sem preço.

A três é que é bom!



sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Ich komme aus...

Quando re-cheguei ao Luxemburgo, e numa tentativa vã de valorizar o meu CV, decidi inscrever-me num curso de alemão. A formação destinava-se a adultos analfabetos na língua germânica. Ou seja: nível para principiantes.

Num ano de formação, 90 minutos por semana, além das frases elementares que nos ensinam quando aprendemos uma nova língua, decorei a seguinte máxima: “Ich spreche nach ein bisschen Deutsch” (eu já falo um pouco alemão). É mentira. Mas pelo menos essa frase não esqueci.

De entre as bases que assimilei em alemão, aprendi que quando me perguntam “de onde é que vens”, a minha resposta é “ich komme aus Portugal.”

Antes de ontem, enquanto revia os trabalhos de casa com o meu pequeno príncipe, caí numa ficha que tinha feito na escola, cuja missão era responder a algumas perguntas com vista à sua apresentação. E, curiosamente, à questão “wo kommst du?” ele respondeu “ich komme aus Pétange”.

Hum... é verdade. Quando nasceu vivíamos naquela localidade, de modo que a sua origem é, a bem dizer, ali. Mas a sua resposta soou-me estranha, esquisita!

Fez-me refletir que as nossas origens não são propriamente o sítio onde vimos a luz do dia pela primeira vez. Podem ser coincidentes, mas muitas vezes não há nada que nos ligue ao local/país do nascimento.

O meu filho pode indicar Pétange como a terra natal, mas o seu coração é todo luso. Independentemente de hoje ter duas nacionalidades, a sua génese é toda portuguesa. É um português que não vem de Portugal. Um português do mundo. 

A três é que é bom!



quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Do estranho mundo em que vivemos

Eu não sou consumidora de televisão – no sentido abrangente, que inclui cinema, internet e plataformas de streaming. Sou quase uma espécie de info excluída, porque não acompanho (por falta de tempo e pachorra) as séries e filmes que toda a gente vê.

Não vejo, mas oiço falar.

O problema é que, não raras vezes, é o meu filho quem chega a casa a falar-me dessas novidades.

Aconteceu com a Casa de Papel -  cantarolava a “Bela Ciao” com 5 anos, porque ouvia a musica na Maison Relais (nota: o seu grupo era dos 4-6 anos).

Aconteceu com o Naruto, aos 6 anos, porque dois colegas de escola tinham “cartas” e o educador da Maison Relais os deixava ver a série do portátil.

Ainda não aconteceu com Squid Game. Ou pelo menos ele nega andar a jogar a brincadeiras violentas inspiradas em séries da Netflix. Fruto de todas as notícias que correm sobre esta nova série, o meu marido tem-no bombardeado com questionamentos e, ao que parece, ainda não se expandiu pelo seu ciclo de contactos.

Estamos de olho!

Que ele me chegue a casa a falar do Spiderman, do Pokemon e do Dragonball, eu até compreendo. São desenhos animados que ele não vê – porque considero que daí não tira nenhum proveito – mas que são mais ou menos para a sua idade.

O que eu não entendo é: como é que os outros miúdos chegaram ao conhecimento de séries para maiores de 16 ou 18 anos? Não me venham com a história de que vêm por causa dos irmãos mais velhos. Em minha casa não há irmãos mais velhos, mas há controlo parental – não apenas na aplicação, mas na presença e acompanhamento. Controlamos o que o nosso filho vê na televisão. Nunca tem acesso livre à tablete, computador ou smartphone.

Se ele aprecia as restrições? Não, não aprecia. Pede muitas vezes para ver desenhos animados sem conteúdo. Mas a resposta é inequívoca: ou vês o que é adequado para a tua idade ou apagas a televisão. Tão simples.

Nós fazemos o nosso trabalho. Outros pais não. E por culpa deles, sofrem todos. Porque na escola e no acolhimento os maus exemplos espalham-se como rastilho de pólvora.

Quase me apetece dizer: que bom que seria voltar à idade da pedra.

A três é que é bom!



segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Da repartição de tarefas

Os nossos fins de semana estão longe de ser prazenteiros, de papo para o ar ou alapados no sofá, a desfrutar de momentos de ócio e relaxe. Não. Não são nada disso. São, até, bastantes vezes o contrário. São preenchidos de afazeres e atividades, que se não forem bem planeados, geram stress e caos.

Cada um de nós – os pais – tem definido o seu plano de trabalho, e esforçamo-nos por o cumprir. Que remédio…

Mas aparecem sempre aquelas outras tarefazinhas que não são habituais mas que precisam de ser feitas.

E o Outono (estação do ano que eu odeio – nunca vos disse, pois não?! 😝 ) é perito em acrescentar empreitadas extra na vida das pessoas. Falo da queda das folhas, naturalmente.

O nosso jardim é agraciado pelas folhas do nosso plátano (ou lá o que é aquilo) e por folhas das árvores da vizinhança, sobretudo da nogueira que pende metade para o nosso lado (e que este ano quase nem deu nozes, mas folhas não lhe faltam).

Já não me recordo das circunstâncias em que ouvi pela primeira vez esta máxima, mas que é certeira, lá isso é: onde toda a gente ajuda, nada custa.
E foi nessa premissa da colaboração e repartição de tarefas que deleguei no meu pequeno príncipe a colheita das folhas mortas do jardim. Para lhe dar a oportunidade de se fazer/sentir útil.

Não ficou entusiasmado com a missão. Protestou e tentou furtar-se à responsabilidade. Mas não teve outra opção que não fosse pegar no ancinho e acumular as folhas num montículo.

Fui observá-lo da janela. Com o Mickey a saltitar à sua volta e a espalhar as folhas empilhadas, vi o esmero e dedicação com que deitou mãos à empreitada. No final felicitei-o pelo trabalho, tendo-lhe agradecido por nos ajudar.

Mais do que o empreendimento em si, é o princípio. Perceber que as coisas não caem do céu e que sem esforço nada chega. Não só na escola mas em tudo na vida.

Isto já foi na semana passada.

Esta semana voltei a delegar-lhe a recolha das folhas mortas mas, com o apoio do pai, alegou que relva estava muito molhada e tempo muito frio. Fiteiro. Quem foi que as apanhou, quem foi?

A três é que é bom!




sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Da desdramatização 2.0

Enquanto escrevia o post anterior dei comigo a pensar que o princípio da desdramatização me era extensível a mim mesma. A mesma linha de pensamento ocorreu aos meus dois mais fieis leitores.

Em conversas distintas com ambos dei comigo a assumir que talvez tenha exagerado um pouco na reação às palavras do meu pequeno príncipe no domingo passado.

Na altura fiquei muito magoada com o facto de me ter “escolhido” para morrer.
Mas essa dor foi extrapolada porque:
1- sei que não passo muito tempo com ele – e isso mortifica-me – pelo que a sua seleção soou-me a chapada de luva branca;
2- ultimamente só tenho coisas que me ralam;
3-  e odeio o outono, o que só por si chega para andar rabugenta e mal disposta.

Reagi como uma idiota.

E esta entrada é para mim.

Eu sei que o meu filho me ama. Ponto.

Tudo o mais são dramas e reações hormonais de mulher de meia idade a precisar de um abraço apertado. Do filho.

A três é que é bom!



quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Da desdramatização

Quantas vezes nos queixamos de que a nossa vida é monótona e repetitiva. Todos os dias são iguais. Vemos as mesmas pessoas, passamos pelos mesmos sítios, fazemos as mesmas coisas.

E de repente alguma coisa de inesperado acontece e perturba essa tranquilidade do dia-a-dia sem história.

O proveito que tirámos dos novos acontecimentos depende muito do nosso estado de espírito e também da perspetiva pela qual nos é apresentada essa realidade.

Isto vem a propósito da passada sexta-feira.

O meu pequeno príncipe assistiu a um atropelamento.
Um jovem que atravessava a passadeira com o skate foi colhido por um carro, tendo sido propulsado no ar, embatendo no vidro, que se estilhaçou. Não deve ter sido um espetáculo bonito de ver (foi durante as aulas de canto, por isso só conheço a história na terceira pessoa) e lamento que o meu filho tenha vivenciado tal acontecimento.

Mas aquela que podia tornar-se numa experiência traumática – repetiu inúmeras vezes o que viu e senti que aquilo não lhe ia sair da cabeça facilmente –  foi aproveitada para uma chamada de atenção sobre os perigos da estrada.

Focamos constantemente a nossa abordagem no facto do rapaz ter sobrevivido – com dores, é certo! – realçando a importância de fazer muita atenção quando andamos na estrada, seja a pé, de bicicleta, trotinete ou skate.

É claro que o que viu lhe ficou gravado na alma, mas creio que a “desvalorização” do sucedido lhe permitiu que se centrasse no essencial: a vida. O menino sobreviveu.

A três é que é bom!



segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Da feliz contemplada

Embora o meu conceito de família seja relativamente alargado – tenho família de coração que amo e me faz muito mais falta do que muita família de sangue – ontem foi dia de estar com A Família! Não todos (porque meus pais e minha tia estão longe), mas os que vivem perto de nós: o meu irmão, a esposa e os meus queridos e adorados sobrinhos/afilhados.

Se é verdade que o meu filho tem outros primos, não é menos verdade que só conhece a Leonor e o João. E com a prima tem uma relação de amor inigualável a qualquer outra. E já verão mais à frente o seu alcance.

O dia esteve soalheiro e seria um desperdício passa-lo entre quatro paredes. Por isso saímos todos de casa, rumo à floresta, com a importante missão de encontrar santieiros – uma espécie comestível de cogumelos, característica pelo chapéu e o anel.

Encontramos muitas variedades de cogumelos, que, embora possam ser comestíveis, tememos que o fossem apenas uma vez… e não arriscámos. Percorremos alguns largos metros até que o meu marido encontrou aquele que se viria a revelar único – um santieiro (dois em estado de decomposição não contam). Grande e ainda fechado, apresentava já algumas marcas de guerra. Mas nunca se desperdiça comida.

É claro que a tentativa de o fazer cheirar ao Mickey e mandá-lo encontrar mais só serviu para a gargalhada geral.

O resto do trajeto foi infrutífero na colheita de fungos mas prazeroso nos momentos partilhados. Tenho várias fotos do meu pequenote e da minha afilhada que mostram o quanto se gostam e o bom que seria se passassem mais tempo juntos.

Já perto dos carros e atendendo a que um santieiro não poderia satisfazer tanta gente, o meu filho perguntou quem o comeria. Disse-lhe que seria a prima, porque ele e o pai (quem o encontrou) não gostam e por isso ficava para ela. Diz-me ele: come-o tu. Eu? Porquê? Porque eu não quero que a Leonor morra (nota: ele tem sempre medo que os cogumelos que colhemos para comer sejam venenosos). Perguntei-lhe se então preferia que morresse eu ao que me responde “tu não brincas comigo.” Respondi-lhe dizendo que achava muito bem que não quisesse que a prima morresse mas que escolher-me a mim no seu lugar, no meio dos demais, me entristecia. Propus: ”então come o Mickey”. “Não! O Mickey não!”

A conversa ficou por aqui até termos chegado a nossa casa.

O meu marido, embora me tenha dito que me estava a vitimizar e que não deveria dar relevância ao facto de ter sido selecionada pela pessoa mais importante da minha vida para morrer, acabou por perceber que as palavras o meu filho me magoaram e aconselhou-o a vir esclarecer-se comigo. Só consegui retribuir-lhe o abraço quando pressenti a chegada da torrente de lágrimas.

Just feel like shit.

Sobre as minhas dúvidas quanto a ser uma boa mãe, parece-me que foi bastante esclarecedor.





sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Da guerra sem tréguas

Educar uma criança é uma responsabilidade incrível. Todos os dias me questiono se estou a fazer o que é certo. E todos os mesmos dias me censuro por não ter sabido/conseguido ser aquela mãe idealizada que eu tenho em mente.

Almejo ser aquele tipo de mulher que consegue dar vazão a tudo, que está sempre sorridente e bem-disposta, que nunca grita com os filhos, que é compreensiva, meiga, presente… E não sou nada disso.

De entre todas essas coisas que não sou, o que mais me afeta ainda é ser uma mãe que passa o dia fora, que demora séculos a chegar a casa. Sofro pelo tão pouco tempo que passo com o meu pequeno príncipe.

Sofro por mim. E sofro por ele.

Eu sei que o meu filho gostaria que um dos pais tivesse mais tempo para ele, para não ter que ir para o acolhimento e poder vir para casa ver televisão. Estou bem ciente disso.
Mas não é por essa razão que eu lamento não ter mais tempo.
É porque passar tempo com ele me permitiria aproveitá-lo ao máximo e evitar-me-ia todo o trabalho extra que me exige a sua educação pelo facto de estar tanto tempo exposto a influências nefastas.

A esmagadora maioria dos miúdos de hoje é tão mal-educada – não falo de dizer palavrões (alguns também!), mas da falta de empatia, camaradagem, amizade, cumplicidade, solidariedade – que todos os dias tenho de fazer uma lavagem cerebral ao meu filho para lhe limpar a alma das crueldades/atrocidades que vê, ouve e sente.

Ontem, por exemplo, quando estávamos ambos no chuveiro para lhe dar banho, enche o peito e vira-se para mim, naquela atitude de rambo, de quem é grande e forte. Não me encostou nem pronunciou nada. Mas aquela atitude não é sua e logo perguntei: onde viste isso? Na maison relais? Os “grandes” fazem-te isso? Claro que a resposta foi a que eu já adivinhava. É empurrado, abalroado pelos miúdos mais velhos só porque sim. Disse-me que fez queixa à responsável e que esta ralhou com os malfeitores – veremos se fica por aqui.
Mas uma coisa já ficou: o mau exemplo! Por isso, lá lhe expliquei que só porque somos maiores e mais fortes isso não nos dá o direito de ameaçar ou atacar os mais pequeninos. “Eu sei mamã!” – disse ele. Eu sei que ele sabe, mas não o impediu de replicar a atitude.

Quando tanto do que nos rodeia é mau, é difícil continuar-se bom.

Sinto-me numa guerra sem tréguas. Verdadeiramente.

Mas, parafraseando aquele grande “poeta” que só quem vê novela conhece: “eu dou um boi para não entrar numa guerra, mas dou uma boiada para não sair dela!”. 

A três é que é bom!



quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Da teimosia

Se é verdade que já me chamaram de teimosa, eu tenho muita dificuldade em encaixar a crítica, considerando-me obstinada e persistente.

Embora não me seja fácil abrir mão das ideias que tenho, reconheço em mim abertura bastante para ouvir os outros e retirar das suas opiniões uma visão para limar e melhorar as minhas.

Teimosos, no meu ponto de vista, são os homens da minha família: pai, irmão (senhores de toda a verdade, são capazes de fincar pé num ponto de vista durante horas, estando, no final, ambos errados, mas sem nunca abdicar da certeza de que estão certos) e – deve estar nos genes dos Teles – o meu filho.

O meu pequeno príncipe gosta de brincar com os limites. É incapaz de assimilar uma ordem à primeira, tentando sistematicamente adiar o inevitável.

Quando falo de ordens, são coisas tão simples como: calça-te, veste o casaco, aperta o casaco, põe a mochila direita nas costas, para de chatear o cão… São pequenas coisinhas do dia-a-dia que tenho de repetir até à exaustão. É cansativo. Extremamente cansativo.

Costumo dizer-lhe que me tira anos de vida com as pequenas casmurrices dele. Começamos, muitas vezes, o dia da pior maneira só porque está decidido a contrariar-me e a ser teimoso.

Outras vezes acontece que a sua cabeça dura lhe traz dissabores maiores. Aconteceu esta semana. Por causa da sua obstinação em não querer dar-se a oportunidade de aprender mais alemão (vendo televisão e lendo livros nessa língua), acabou a chorar com fortes razões para isso.

Naturalmente que uma coisa não justifica a outra (a teimosia não se combate com agressividade) e estou certa que toda a situação acabou por ser um aprendizado para os envolvidos.

Ser pai/mãe é, definitivamente, o papel mais difícil de desempenhar. Temos que nos melhorar todos os dias, encher-nos de empatia e paciência, controlar os ímpetos e as emoções e ser para os nossos filhos aquilo que eles mais precisam: um lugar seguro!

A três é que é bom!  



segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Do Dia do Pai

É bastante óbvio que o dia do pai é todos os dias. Desde o momento em que sabe que há uma sementinha a germinar até à eternidade. Um pai perdura muito para além do seu último suspiro, na memória dos filhos e, se tiver tido essa felicidade, na dos netos, bisnetos… Enquanto houver memória da sua passagem na Terra, é imortal.

E não haverá maior glória do que ser lembrado como: era um pai extraordinário!

Conheço dois pais que serão lembrados dessa forma: o meu e aquele que escolhi para o meu filho. São muito diferentes mas, ao mesmo tempo, tão iguais: pais preocupados, pais presentes, pais que dão tudo pelos filhos.

E isto a propósito de ontem: aqui celebra-se o dia do Pai no primeiro domingo de outubro.

O meu pequeno príncipe, que durante a semana inteira me cochichou ao ouvido como era a prenda que andava a fazer para o papá, todo excitado e feliz, chegado o grande dia quase se esquecia. Distraído com a perspetiva do curso de natação e com os olhos postos na televisão (para devorar 5 minutos do maldito vicio antes de sair), foi preciso lembrá-lo.

Caído em si sobre a falha que cometera, ficou triste e desolado, pediu desculpas ao papa e, além dos presentes preparados na escola, congratulou-o com uma canção que ele inventou no próprio momento – de palavras doces e melodia melancólica, que quase o fez chorar. Sim, esta é uma característica do meu pequenote: chorar com as letras das músicas que inventa. Alma de artista sentimental.

Finalizaram num abraço apertado!

Gosto tanto de os ver agarradinhos e cúmplices. Ligados por um amor incomensurável.

A três é que é bom!