quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Da presunção

Eu gosto de escrever.

Nem sempre aprecio o que escrevo. Não tanto pelo conteúdo (porque não conto mentiras), mas pela forma, pela abordagem, pelo excesso de detalhes ou pela falta deles. Não obstante escrevo.

E escrever desanuvia-me.

Portanto, a ideia de criar um blog sobre a vida a três nasceu não apenas porque tenho uma memória seletiva (e no blog fica gravado para a posteridade) mas também pelo prazer pessoal de narrar histórias.

Está bem claro que não tenho um ranking de visualizações e que não criei esta página para ganhar dinheiro – não há nem haverá publicidade associada!  

Não obstante, gostava de ter mais retornos. E ontem queixava-me ao meu marido precisamente disso – disse-lhe que gostaria de saber se há quem me leia e o que acham (tata, eu sei que tu lês!).

Neste ponto, respondeu-me com a altivez e a suma convicção de que tal deveria ser-me suficiente: eu leio!
Uau! A sério? E quê? Devo ser-te grata e reconhecida porque tu lês um blog que fala sobre a nossa família? Mau seria que não lesses, digo eu com os nervos.

Achei extremamente presunçoso e arrogante.

É seu hábito achar que desvalorizo a sua opinião só porque quero saber a dos demais. Mas está enganado. Não desvalorizo. Mas relativizo. Como parte interessada e conhecedora dos factos, não tem uma opinião isenta.

É perfeitamente legítimo querer ocupar os lugares de topo na vida dos que nos são queridos, mas assumir que se é suficiente, é excessivo. Menos, menos.

Como prometido, esta entrada é mesmo só para ti, marido querido.

A propósito: agora percebo a quem sai o meu pequeno príncipe quando se acha o Cristiano Ronaldo lá da escola. Deve ter passado nos genes.

A três é que é bom!



quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Dos doces momentos

A vida é feita de momentos grandiosos dos quais guardamos milhões de fotos, de vídeos e de memórias. Recordamos com um suspiro a última ceia de Natal, as últimas férias, o último encontro com aqueles que amamos.

E nesta ânsia das ocasiões empolgantes, acabámos por passar ao lado de uma série de pequenos acontecimentos que, sem serem especialmente vistosos, quando nos focamos neles reconfortam o dia a dia e amparam-nos numa existência que nem sempre corresponde às nossas expectativas.

Ontem, enquanto lavava minuciosamente as tronchudas que os meus pais nos enviaram (porque são, dizem eles, biológicas e inigualáveis a quaisquer outras que pudéssemos comprar no supermercado), o meu filho veio colocar-se ao meu lado para jogarmos a uma espécie de quiz.

As perguntas estão plasmadas nas pequenas cartas que anda a colecionar (sua mais recente obsessão), incidindo, grosso modo, sobre agricultura e produtos locais.

Já não sei se respondi corretamente ou não às 2/3 primeiras perguntas, mas sei que a partir de uma altura ele me veio repenicar um beijo na bochecha porque eu tinha acertado na resposta. Perguntei se era o meu prémio por ter respondido corretamente e ele assentiu. Não podia devolver o beijo, apenas recebê-lo.

Não consigo imaginar recompensa mais gratificante!

Felizmente para mim que as perguntas não eram complicadas, pois jamais me perdoaria de perder uma oportunidade daquelas de receber, assim, espontaneamente, tantos beijinhos do meu pequeno príncipe.
Sim, que do alto dos seus 8 anos, dar beijos à mãe não é quando ela quer, é quando ele decide que lhe apetece e que ela merece.

O papa, que consegue ser pior do que eu nesta cata ao carinho, veio sorrateiramente encaixar-se no jogo e juntos partilhamos um momentinho delicioso que, sem ser estrondoso, conseguiu fazer transbordar os nossos corações de amor.

A três é que é bom!




segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Das noites de sexta-feira

Desenganem-se os que acham que vou debitar sobre saídas ao restaurante, idas ao cinema ou programas pela noite fora. Nada disso. Longe vão os tempos em que havia oportunidade (e até vontade) para isso. Se a maternidade aniquilou a disponibilidade que gozávamos quando não tínhamos o nosso filho, a pandemia acabou por reduzir a zero o desejo de sair.

Por conseguinte, as nossas noites de sexta-feira (à semelhança das demais) são caseirinhas. Mas isso não significa que não sejam especiais.

Passo a explicar.

Ainda no decurso do primeiro trimestre do ano letivo passado, e por forma a incentivar o meu filho a comportar-se bem na escola (o que não sucedera regularmente no ano precedente), o meu marido disse-lhe que todas as vezes que ficasse toda a semana no sol – a avaliação diária do comportamento regia-se pelo estado do tempo, começando sempre no sol e decrescendo até à trovoada, com a nuvem e a chuva pelo caminho – poderia dormir connosco na nossa cama.

O pequeno príncipe, que pedia muitas vezes para partilhar os nossos lençóis, viu naquela abertura a possibilidade de realizar o seu desejo e, fosse pela perspetiva de sexta-feira à noite ou porque aprendeu a comportar-se bem, as semanas de sol multiplicaram-se – com as sequentes noites a três.

Durante o período de férias fez do seu melhor para merecer o seu lugar no nosso meio e, neste recomeço escolar, exigiu a manutenção do acordo.

Ora bem. Eu confesso que por diversas vezes acusei o meu marido de se ter precipitado com esta história das sextas à noite e ter assumido um compromisso que nos afeta a todos, sem pensar nas consequências: o meu pequenote é atravessado a dormir e sendo o sábado o dia da faxina, ninguém naquela casa acorda com grande disposição.

Ninguém não. Minto. O meu filho está sempre contente de ter passado a noite com os pais.

E de repente dei comigo a pensar: durante quanto tempo mais é que ele vai querer dormir no nosso quarto? Durante quanto tempo mais vai correr para a nossa cama quando acorda sobressaltado com pesadelos?

Senti um aperto no peito ao perceber que não será durante muito mais tempo. E, de um dia para o outro, dormir com o meu filho abraçadinho a mim, com os seus cabelos a entrar-me nas narinas, as pernas atravessadas sobre o meu corpo, as cotoveladas certeiras nos olhos… passaram a constituir momentos sagrados que quero desfrutar para a eternidade.

A três é que é bom!




sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Dos desaforos

No meu dia a dia desempenho imensas profissões. De uma recebo o salário, de outras louvores e agradecimentos. Da mais exigente de todas recebo de tudo: beijos, abraços, carinho, gratidão e muitos desaforos. Refiro-me, naturalmente, ao meu papel de mãe.

Não há manuais a explicar o funcionamento dos filhos, tal como não existem livros que expliquem como se faz uma boa mãe.

Acho que é uma carreira que se constrói em conjunto, com avanços e recuos, adaptações e atualizações. Requer muita paciência, muita compreensão, resiliência e, acima de tudo, amor, doses extra de amor.

É um caminho para a vida, sem nunca chegar à meta.

Eu não tenho qualquer dúvida de que sou muito importante na vida do meu filho e de que perderia o norte sem mim. No entanto, custa-me entender como consegue, em determinadas ocasiões, ser cruel ao ponto de me dizer: eu não gosto de ti! E pior: eu odeio-te!
Bem sei que são desaforos e a maneira dele de descarregar raivas acumuladas – muitas vezes noutros contextos, que nada tem que ver comigo e/ou com as nossas “discussões”. Não fico magoada nem rancorosa, embora me sinta triste – não tanto pelas palavras (que sei que são mentira) mas pela intenção. Como é que é capaz de querer magoar-me?

Eu costumo dizer-lhe: se tu dizes que me odeias é sinal que estou a desempenhar bem o meu papel de mãe. E tenho a certeza de que ao colocar-lhe limites estou, de facto, a fazer o que é certo.

Esta manhã fui presenteada com um “não me chateies”, só porque lhe dizia para vestir o casaco em condições e colocar a mochila direita às costas.
Má educação e arrogância não são bem-vindas na nossa casa pelo que apenas lhe respondi: “se é isso que tu queres, é o que vais ter”. Para bom entendedor, meia palavra basta. Não precisei esclarecer o alcance que queria que deduzisse das minhas palavras (que, obviamente, jamais seria capaz de levar a cabo) e logo me pediu desculpa, mudando de tom.

Errar é humano. Nem sempre fazemos o certo. Reconhecer as nossas falhas e saber pedir desculpa é uma virtude que poucos têm.

Tanto orgulho que tenho neste meu filho! E um amor incomensurável.

A três é que é bom!



quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Do retorno às rotinas e aos TPC

Se é verdade que sair da rotina faz bem a toda a gente – para desanuviar, espraiar, quebrar as regras (um bocadinho) – em tempos de escola é fundamental manter uma rotina bem equilibrada, definindo com clareza os diferentes momentos do dia.

Não é permitido saltar refeições. Não é possível ir para a cama tarde. É impensável não fazer – corretamente! – os trabalhos de casa.  

Neste regresso à escola, estamos, ainda, a tentar encontrar o meio termo entre o trabalho e o lazer.
Mas os trabalhos já estão a dar que falar...

Nos anos precedentes o meu pequenote trazia várias vezes deveres para fazer em casa. No entanto, além de não serem muitas, as tarefas estavam sempre devidamente identificadas. Era tudo muito claro e objetivo, escrito no journal de classe.

Por causa deste hábito, não me surpreendeu que na segunda-feira me dissesse que não tinha TPC. Como o professor não indicou nenhuma atividade nem mandou escrever no jornal diário, é porque não havia.

Ciente de que nem tudo é preto e branco e que muito se escreve nos cinzentos – e até porque, contrariamente aos primeiros dias, trouxe material na mochila – debrucei-me sobre as suas coisinhas e lá encontrei o plano semanal. Este indica as atividades a desenvolver durante toda a semana, sem distinguir onde, quando e como. Contudo, um dos exercícios de matemática dizia que era para fazer diariamente e um de francês indicava que seria para recortar para terça-feira (ou seja: para o dia seguinte) – entre outros, identificando diferentes dias da semana.
Foi-me difícil convencer o rebento de que aqueles eram trabalhos para fazer em casa – só tendo acedido quando lhe disse: “se o professor ralhar contigo porque fizeste, diz-lhe que eu te obriguei.” Descartadas as responsabilidades da suposta desobediência, mas ainda assim contrariado, lá os fez.

Resultado: foi dos poucos miúdos que fez os trabalhos. E do professor levaram uma descascadela, dizendo-lhes que já não são nenhuns meninos pequenos a quem é preciso explicar tudo.

Ora bem, aqui que meu filho não me ouve, será que custava muito alertar os alunos para novas regras? Assinalar que há atividades que têm de preparar em casa? Não acredito que o tenha feito, pois caso contrário não seriam vários os que não fizeram os trabalhos (sim, ainda me ocorreu que meu pequenote estivesse distraído e não ouvisse…).

Presumo que esta ansiedade seja relativamente comum em cada recomeço. Mas confesso que a minha apreensão em relação ao novo professor não está para se dissipar…

Uma coisa é certa! Dê para onde der, vai sempre esbarrar comigo, porque eu não abro mão. O meu filho é extraordinário e não vou permitir que se perca. 

A três é que é bom!



segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Das deduções hilariantes

Esta é uma daquelas histórias que tenho mesmo de partilhar. Não me quero esquecer que isto aconteceu. Só lamento não ter uma foto para ilustrar o momento em que quase me abafo de tentar conter o riso.

Comecemos.

Na passada sexta-feira, a caminho da escola, o meu pequeno príncipe, enquanto dava mimos ao cão, dizia-me:

- “Mamã, quando o Mickey tiver bebés, e os bebés dele tiverem bebés e depois estes tiverem bebés (sim, são muitas gerações, mas a conversa foi esta e não vou distorcê-la), eu, como vou ser veterinário, vou abrir-lhes a barriga para lhes tirar os bebés.”

Expliquei-lhe que o procedimento normal não é ter de abrir a barriga às mamãs para tirar os bebés e que a cadela deveria conseguir ter os filhos sem a operar. Só seria necessária a ingerência do veterinário se alguma coisa corresse mal.

Neste ponto, o meu pequenito lembrou-me que nascera graças à intervenção do médico que me abriu a barriga – tivemos esta conversa por causa da cicatriz da cesariana. Eu confirmei, dizendo-lhe que fora apenas porque ele não estava a conseguir sair sozinho. Tinha o cordão umbilical à volta do pescoço, o que o impediu de nascer por parto natural.

Após me ter questionado se podia ter morrido e eu lhe assegurei que esteve sempre tudo controlado e que nunca duvidei que sairíamos os dois ilesos daquele parto, o meu filho, ligando as pontas, vira-se para mim e pergunta: “e então, quando não é pela barriga, saem por onde os bebés? Pelo cu?!”

Quase me desmanchava! Ao mesmo tempo que me ocorria que nunca me tinha feito esta pergunta, vi-me obrigada a um esforço descomunal para não rir às lágrimas.

É claro que a sua interrogação tem lógica. Tem de haver a way-out para os bebés.  

Felizmente estávamos a chegar à escola e não havia tempo para muitas explicações, por isso, sucintamente disse-lhe que as senhoras têm uma saída na pombinha que é para os bebés nascerem. Não é por onde sai o xixi. É um buraco especial. E isso faz de nós, mulheres, seres tão mágicos, capazes de dar à luz. Não se pronunciou e seguiu caminho, em direção ao terceiro dia de escola.

No regresso a casa o Mickey olhou várias vezes para mim, a perguntar-se se me estava a dar alguma coisinha ruim… É que me ri tanto, tanto que as bochechas me doíam.

(Ainda não me voltou a falar do assunto – medo!).

A três é que é bom!



sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Do regresso às aulas

Embora o mês de setembro esteja longe de ser o meu favorito – marca o fim do verão, das férias, do bom tempo; as folhas começam a cair, os dias a encurtar, a melancolia a instalar-se – tem o mérito de representar um novo recomeço.
É uma espécie de janeiro, sem as festividades do ano novo (que eu dispenso), mas com as resoluções de um novo ano.

Foi com esse animo de vida nova que o meu pequeno príncipe atacou o 3º ano do ensino fundamental.

De mochila às costas, olhos brilhantes e coração apertado, foi para a escola na ânsia de começar uma nova etapa.

Ele sabia quem era o novo professor, mas ainda não sabia que seria “o melhor professor que já tive” – foi assim que o definiu quando o fui buscar para almoçar.

Que contente que fico com o entusiamo dele. Nada como um docente que cativa para que as coisas corram bem. Eu acredito nas primeiras impressões e fico a torcer para que seja, efetivamente, o melhor professor de sempre.

A mim custa-me a crer que possa superar a sua primeira professora: a Joffer Nathalie era excecional. 
Temo, na verdade, que o facto de ser um homem, jovem e descontraído possa refletir-se num aluno desleixado, relaxado e pouco empenhado.

Mas não agoiremos. 

Vai correr tudo bem. 

Força meu Amor. Tu consegues! 

A três é que é bom!



 

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Dos riscos necessários

Confesso ter ficado um pouco reticente quando o pequeno príncipe nos pediu um skate. Na minha cabeça choveram imagens de joelhos esfolados, braços partidos, cabeça aberta, boca ensanguentada, dentes em frangalhos… Coisas banais, vá, na vida de crianças ativas.

Já em tempos tivera um skate reciclado, de tamanho desadequado, com o qual não se entendera e que rapidamente voltou para o sítio de onde viera.
Nessa altura não consideramos ser o momento certo para lhe comprar um e, verdade seja dita, ele não voltou a falar do assunto. Até há dias.

Veio, portanto, com a conversa que gostava de ter um skate e que já sabia andar, porque na Maison Relais tem praticado.

Ora bem, se é para andar de skate, ao menos que seja num ajustado às suas capacidades e com as proteções todas, para minimizar os estragos. Até porque, como não vou conseguir que não ande naquela coisa diabólica quando está no acolhimento, ter um para praticar em casa facilita e incrementa a aprendizagem.  

E foi assim que recebeu um skate e nos mostrou que, efetivamente, já se safa relativamente bem. Ao contrário da mãe que, mal pôs um pé em cima, ia virando os dois para o ar, equilibra-se e “dá o jeito” ao corpo, de maneira graciosa e de quem já domina. Gosto de o ver.

Por muito que às vezes assuste e tenhamos receio que se magoem, devemos, enquanto pais, apoiar e incentivar a pratica de atividades ao ar livre, arrancar os nossos miúdos para o exterior e deixá-los cair – pois só assim aprenderão a se levantar.

A três é que é bom!



quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Da perseverança e firmeza

Eu sou perentória nesta minha acusação! Os ecrãs são o inimigo número um das nossas crianças e jovens. E até de muitos adultos.

São a televisão, os computadores, as tabletes, as consolas e os telemóveis. Vale tudo. Com propostas que vão de desenhos animados e séries perfeitamente inócuos a conteúdos incitando a guerra e a destruição - despertando nas cabeças dos espectadores/jogadores o pior do ser o humano -  há para todos os gostos.

Criam uma dependência tão mas tão incontrolada, que mais parece uma droga.

E de quem é a culpa? A resposta está-me na ponta dos dedos: dos pais e cuidadores, que para terem momentos tranquilos e se furtarem às suas responsabilidades, dão a “maminha tecnológica” aos miúdos, desde tenra idade, incutindo-lhe o vício. À mingua de ideias para ocupar os filhos, e sem vontade de os aturar, dão-lhe, muitas vezes espontânea e automaticamente, os ecrãs para as mãos – pois assim não há birras.

E por essa via, graças à constante estimulação dos ecrãs, as crianças tornam-se incapazes de momentos de ócio e inatividade, sempre em busca de mais e mais, não sabendo gerir o tempo morto.

E eu não sou um exemplo neste assunto! E lamento por isso.

Quando o meu filho não queria comer a sopa – por volta dos 2 anos e pouco – para o entreter comecei a mostrar-lhe o Ruca. E funcionou. Conclusão: durante uns longos meses (2 anos?) só com a porcaria dos desenhos animados comia a sopa. E isso tornou-se um problema. Não, não podíamos permitir que os ecrãs se infiltrassem na hora da refeição. Por isso foi feito o desmame e os ecrãs proibidos à mesa.

Contudo, e porque o vício já lá estava, passou a ver televisão em horários pré-determinados e com limite de tempo. Escolhíamos criteriosamente os conteúdos e, devo reconhecer, vários foram os episódios que aproveitei para lhe “fazer a moral” sobre os assuntos mais variados. Com o crescimento passou a ver desenhos animados com vertente mais educativa - os Octonautas são um exemplo de tempo bem aproveitado à frente da televisão – e, forçosa e inevitavelmente, a jogar na consola. Temos uma Wii, que não teve (felizmente) o poder de o prender. No Natal passado, e ainda que não tivesse sido uma escolha muito consensual, acabou por receber uma Switch. E foi um erro. Não é capaz de se controlar e, se o deixasse, jogava dia e noite. Obviamente que não acontece. Mas ele gostaria. E isso enerva-me tanto que até dói.

Eu sei que esta guerra não é só minha e que outros pais se vêm a mãos com problemas de excesso de ecrã e de estupidificação dos filhos. Só há um caminho: reagir. E reagir com força e perseverança. Impor limites, controlar conteúdos e estimular as nossas crianças para fazerem outras coisas: brincar na rua, fazer desporto, aprender musica, ler, pintar, construir, destruir, experimentar. Mas nunca desistir e em momento algum ceder ao facilitismo que é dar-lhes a “maminha tecnológica” para as mãos.

A este propósito alerto que o esforço na educação deve ser conjunto e que os pais têm de seguir lado a lado na prossecução do que é melhor para os filhos, esforçando-se por serem, eles próprios, um exemplo. Tenho dito.

A três é que é bom!




quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Dos pés sem chão

Curiosamente, e talvez por uma questão de sobrevivência – porque seria um inferno reviver continuamente certos acontecimentos da nossa vida - o nosso cérebro tem tendência a bloquear episódios traumáticos.

Só isso justifica que, quando resumi sucintamente as nossas férias, não me veio a lembrança do pior momento de toda a minha existência. Sim, aconteceu nas férias. E embora tenha a certeza que não me esquecerei desse dia, vou tentar contar o incontável (quando me refiro ao incontável, não falo propriamente do que aconteceu, mas do que senti).

Nos dias que passamos no Algarve ficamos alojados num hotel que não fosse o preço excessiva e injustificadamente caro, teria respondido às nossas expectativas. Plantado no alto da Praia da Falésia, com um mar imenso pela frente, dispõe de vastos e bem cuidados espaços exteriores e quartos relativamente ajeitados repartidos por pequenas moradias.  
Numa noite, no regresso ao nosso quarto depois de jantar, o nosso pequeno príncipe desata a correr na direção oposta a dizer que dava a volta por trás e nos encontraria logo à frente, no atalho para o nosso alojamento. Distraídos pela conversa e apanhados de surpresa, nem nos deu tempo de reagir. Continuamos a caminhar, lentamente, à espera de o ver surgir. Como não o via/ouvia e no caminho que tomou havia outras moradias que me impediam de o ter sempre debaixo de olho, o coração começou a apertar e separámo-nos: o meu marido seguiu o caminho que o nosso filho tomou e eu avancei para onde era suposto vê-lo chegar. Nada! Já a tremer e com o coração descompassado, peguei no telefone para tentar ligar ao papa, para saber se o tinha encontrado – mas não fui capaz. Não conseguia ver o que fazia, não encontrava a lista de contactos, estava desorientada. E nesse desnorteamento aparece o meu marido no atalho, sozinho, também a tentar ligar-me…

Onde é que ele está? Onde é que ele está?

Escrevo isto enquanto volto a ter o estomago remexido e um sufoco de dor no coração, ao recordar que naquele dia perdi o chão e pensei: isto não me está a acontecer. Um segundo, fração de um segundo.

Sem conseguir pensar o que fazer, desatei a correr na direção que o Matias seguiu, a gritar pelo nome dele, desorientada e louca. O meu marido seguiu outro caminho, igualmente desesperado. Nada.

Volto para o sentido do quarto e vejo-o, a correr, transpirado e assustadíssimo, solto na minha direção. Foi o abraço que me devolveu a vida. Meu Deus. Nunca tive tanto medo. Nunca me senti assim perdida.

Falhou o atalho e continuou a corrida até encontrar caminho conhecido (bem lá no extremo oposto) e regressar ao quarto. Estava tão desarmado quanto nós.

Não sei quanto tempo é que isto durou, mas no total não seriam mais de 5 minutos. Mas foram momentos eternos e de um vazio e dor tão avassaladores que a lembrança esmaga como se fosse agora.

Uma lição para a vida: não acontece só aos outros.

A três é que é bom!



terça-feira, 7 de setembro de 2021

De um novo recomeço

Ser-me-ia impossível retomar o fio da meada e contar-vos tudo o que vivemos desde a última vez que escrevi neste blog. Há meses que não partilho os nossos momentos e lamento por isso. Lamento porque a minha memória é fraca e o muito que ficou por dizer provavelmente esquecerei.

Há, contudo, episódios que estão bem presentes na minha cabeça e, alguns deles, que me atormentam um pouquinho.

Desde o início do ano que o meu pequeno príncipe tomou consciência da morte e isso tem-no afetado no seu dia a dia. Tenho a certeza que a pandemia já lhe andava a trabalhar na cabecinha, mas a queda de fevereiro, de que vos falei, acabou por despoletar  a coisa e desencadear noites de choro e medo de morrer e só na cama dos pais encontrou conforto. 

Seguiram-se receios de sufocar, receios de ataques cardíacos, receios de ossos partidos... Tudo e durante meses! A tal ponto de quase deixar de comer. Nos dias anteriores a iniciarmos as férias, pensei enlouquecer. Nunca tinha tido problemas com a alimentação. NUNCA. E de repente via-me horas à mesa, a tentar convencê-lo a comer, e a vê-lo dar voltas e voltas à comida na boca, até acabar mastigada na beira do prato. O que fazer? O que fazer?

Pus-me um limite: se as férias (que já não fazíamos desde 2019) não permitissem trazer o meu filho de volta, no regresso a casa procuraríamos ajuda especializada. 

As férias foram imensamente curtas! O que só por si diz muito sobre o quanto foram imensamente maravilhosas.

Embora o meu Matias não tenha voltado a 100%, vi-o feliz e descontraído, a aproveitar o amor dos avós e a liberdade de quem vive no campo, a brincar com crianças que partilham dos seus gostos e do seu bom coração, a superar o receio de andar de motorizada, a permitir-se viver sem o constante medo de morrer.
Nem tudo foram rosas, obviamente: abusou do ecrã, refilou por ir para a praia (porque é que todas as crianças preferem a piscina?), pedinchou porcarias em todas as oportunidades e não se alimentou convenientemente. 
Não obstante, voltamos a casa com a vontade de regressar o quanto antes para os abraços de quem gosta de nós (tal como nós gostamos deles), para o sol e para o mar. 

E como estamos de saúde? 
Fomos à pediatra fazer um check-up para o desporto e, de acordo com a médica, está bem. As questões do medo e fobias ficaram em aberto, para ver se justificam outro tipo de acompanhamento. No demais, constatou que cresceu bastante mas também que emagreceu - não só afinar a silhueta mas no sentido de perder peso. Visto que durante uns dois meses se alimentou horrivelmente, não me chocou. Mas a ele parece que sim, porque desde então voltou a comer como um grande. Que contente que estou! Ufa. Não me consigo conciliar com uma criança que não se alimenta. 

Parece-me, no fim de contas, que estamos perante um novo recomeço - a diferentes níveis, nomeadamente no voltar a escrever no blog e partilhar, para memória futura, o quanto é "dificilogratificante" ser mãe. 

A três é que é bom!