segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Das emoções fortes

Schueberfouer é o nome da feira popular que, anualmente*, durante 20 dias, anima a capital deste país.

Jean l’Aveugle, rei de Bohème et Comte de Luxembourg, foi o responsável pela sua criação, em 1340, organizando o que na altura não passava de um pequeno mercado, mas que hoje, com mais de 650 edições, representa uma lufada de ar para a economia e diversão nacionais.

* O meu itálico na palavra “anualmente” quer ressalvar o interregno que a pandemia provocou nas nossas vidas – dois anos que voaram, não sei bem como – e durante o qual a maioria das “tradições” foi suspensa. A feira popular não foi exceção. Em 2020 foi cancelada e em 2021 quase inexistente.

Ontem foi o dia de voltar à Fouer de antigamente, com a família. E foi curioso constatar como algumas coisas mudaram neste “entretanto”.

Começando por aquilo que se mantém inalterado:
- o Gebake Fësch da Friture Armand não desilude. Aparentado do bacalhau fresco, é um peixe branco e saboroso, envolto em polme antes de fritar. Delicioso;
- O Kürtos, de origem (salvo erro) húngara, é um rolo oco, de bolo crocante por fora e fofo no interior. Com cobertura de coco, petitas de chocolate, noz, canela ou caramelizado, faz parte daquelas iguarias que nunca falham nas nossas incursões aos mercados.

As surpresas revelaram-se ao nível das atrações.
Na última edição da feira a que fomos, o pequeno príncipe tinha 6 anos e, em conivência com a sua idade, quis andar nos carroceis para criancinhas: o comboiinho insosso e o típico carrocel redondo, com aquela musica chata e repetitiva. Não faltou a pescaria de patos, trazendo para casa uma bugiganga qualquer que acabou no caixote do lixo por inoperante ou de qualidade duvidosa.   

Este ano o meu rebento surpreendeu-me com a sua audácia em experimentar coisas novas e potencialmente assustadoras.
Ainda antes de nos encontramos com os primos, arriscou-se numa viagem no Daemonium, que é o maior comboio fantasma itinerante do mundo. Foi com o papa e saiu de lá extasiado e trémulo, a relatar as realidades terríveis que cruzou pelo caminho, com especial enfoque no motosserra empunhado por um senhor de carne e osso.
Com as emoções a oscilar entre o espetacular e o aterrador, a experiência foi de molde a querer repetir a dose, pelo que mais tarde voltou à carga, mas desta vez a mamã também seguiu viagem com a prima – superamos a prova, sem gritos.

E quem fala em gritos, fala em guinchos, berros, ganidos e outros ais. Isto foi o que se ouviu do alto da montanha russa Wild Mouse quando os “meus” mais velhos, com os respetivos pais, foram dar uma voltinha.
O pequerrucho e a prima não imaginavam no que se estavam a meter, quando, todos gaiteiros, subiram para a carruagem. Os sorrisos e excitação iniciais transformaram-se em olhos esbugalhados e dentes serrados, o retrato do medo. Muito bom!

Não, não estou a ser cruel ao rir-me do pavor que sentiram. Tenho a certeza que apesar do pânico, viveram um momento único de adrenalina e que vão recordar, com saudade, aquela primeira experiência.
É bom superar-se e enfrentar o próprio medo.
A vida é para os audazes.
E o que seria da vida sem um pouquinho de pimenta?

A três é que é bom!




quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Das dúvidas existenciais

Com o crescimento as crianças tornam-se não só mais curiosas como as suas associações de ideias os levam a ter pensamentos mais complexos que requerem, muitas vezes, esclarecimentos e elucidações. É a idade das perguntas difíceis – ou por outra, das respostas espinhosas. Os seus questionamentos são legítimos e naturais. As explicações é que nem sempre são obvias e obrigam-nos a um trabalho mental rápido e coerente.

A pergunta típica “de onde vêm os bebés?” já foi formulada há muito tempo. Não me lembro quando, mas há tempo suficiente para que uma resposta baseada nas sementinhas fosse suficiente para satisfazer a curiosidade.

Entretanto, no ano letivo precedente, um dos temas abordados nas aulas de ciências foi a reprodução dos sapos. O pequeno príncipe contou-nos, com entusiamo, o que aprendera e falou-nos do comportamento dos sapos que, por quererem tanto ter bebés, chegam a ponto de afogar as parceiras.  

Esta partilha serviu-me para me safar de um momento delicado, quando, do nada, o meu pequerrunho me perguntou o que significava o gesto de fazer um circulo com o polegar e o indicador e de passar no seu interior, para a frente e para trás, o dedo indicador da outra mão (não preciso ser mais explicita para perceberem, certo?). A pergunta apanhou-me de surpresa e para tentar alinhavar uma resposta – é sempre preciso dar resposta – que fosse razoável, pedi me dissesse onde tinha visto tal coisa. Fora uma das colegas da turma.
A minha explicação foi o mais concisa e simples que consegui - porque informação a mais conduz a questionamentos acrescidos.
Relembrei-o que tal como os sapos, todos os animais (racionais e irracionais) se relacionam para fazerem bebés e que esse gesto simboliza o ato de um macho e uma fêmea conceberem os filhos, mas que é uma representação muito ordinária e feia. Disse-lhe que não deveria repetir tal mímica, que era de má educação.

Se é verdade que no momento o meu esclarecimento satisfez o seu interesse, não demorou muito para que voltasse à carga com mais dúvidas. Passamos da teoria à prática: como é que a sementinha do homem se encontra com a sementinha da mulher. Eh pá! Agora é que a porca torce o rabo! Esta sim, ia ser difícil de explicar.
A pergunta surgiu ainda antes das férias, mas a complexidade do tema exigiu que lhe pedíssemos um tempo de reflexão.
As suas alusões à questão mostraram-nos a urgência de lhe satisfazer a curiosidade – porque se não obtivesse um esclarecimento nosso, procuraria noutras fontes e sabe-se lá o que daí adviria.

Tínhamos pensado que a série “Era uma vez a vida” poderia ser de utilidade, mas não peca por não ser demonstrativa. Acabamos por optar por um vídeo, adequadamente explicito, no qual a narradora acompanha as suas explicações com as imagens de um livro infantil sobre o tema. Fomos fazendo pausas na narrativa, para esclarecimentos adicionais e para reforçar que é um ato praticado por gente grande e nunca por crianças. Pareceu-nos que a sua curiosidade ficou saciada. A única pergunta embaraçosa que dali adveio foi: vocês fizeram isso para me fazerem a mim? Todos nus?

Eu sei. Todos achamos que os nossos pais não fazem aquelas coisas. Viemos no bico da cegonha 😁

A três é que é bom!



quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Das grandes férias

Comecei esta entrada pelo título, tendo escrito “das férias grandes”. Reli e não me soou bem. É que longe vai o tempo em que as férias de verão eram efetivamente grandes. Os 3 meses do antigamente encolheram e converteram-se em 3 semanas. Que informação dramática!

A este propósito vou-vos confidenciar que o meu maior sonho, neste momento, era poder ter tantas férias quanto o meu rebento e passar todos os meses quentes numa casinha junto ao mar. Isto sim, seria qualidade de vida.

Mas avancemos.    

Se o tempo é curto, há que o aproveitar ao máximo. E foi mais ou menos isso que fizemos!

A primeira semana de férias, em Islantilla – Espanha, com os compadres e os primos emprestados, foi espetacular. Os dias, divididos entre praia, mar, caminhadas, conchas, castelos de areia, piscina, mergulhos, gelados, ainda mais gelados, almoços e jantares demorados… passaram a voar.
O diário de bordo regista dois acontecimentos fora de série: a picada de alforreca/medusa do meu pequeno príncipe e a tentativa de agressão da minha afilhadinha à miúda do biquíni amarelo que destruiu a tartaruga de areia. Priceless. 

Se é verdade que não se recupera o tempo passado – a vida colocou-nos em países diferentes, não nos permitindo uma convivência mais amiúde – o certo é que quando estamos juntos estreitamos ainda mais os laços que nos unem e criámos memórias.
Gostamos muito uns dos outros e apreciámo-nos mutuamente.
A amizade das mães encontrou prolongamento nos filhos, que se entendem e se dão como se crescessem juntos. São dois autênticos índios, com brincadeiras tontas e gargalhadas barulhentas. Ainda que muitas vezes os tenha chamado à ordem, admito que amizade que é amizade, é para viver estrondosamente.
 
Finda a estadia por terras de nuestros hermanos, seguimos em direção à capital portuguesa.
Na tarde do dia que chegamos visitamos o Oceanário – o peixe-lua é um ser muito estranho e aquele tubarão dentuço tinha alguma coisa contra mim – e demos a voltinha na telecabine. As vistas sobre a ponte Vasco da Gama justificam o preço.
No dia seguinte seguimos rumo a Belém, tendo abandonado o autocarro perto da ponte 25 de Abril, por estar irrespirável lá dentro. O passeio junto ao Tejo é muito agradável e dado a belas fotos – só comprometido pela má disposição da criança. Vimos, por fora, o Padrão dos Descobrimentos, a Torre de Belém e o Mosteiro dos Jerónimos. As filas intermináveis são um travão à vontade de qualquer um.
Ali junto aos Pasteis de Belém – onde só uma gravidez justificaria a espera – encontramos um casal amigo que, após nos mostrar o chão salgado onde um dia fora a casa dos Távora, nos levou para a baixa da cidade e nos fez descobrir pequenas maravilhas que passam despercebidas aos turistas menos atentos. Não saberei identificar todas as ruas e monumentos que vimos, mas lembro-me do Marquês de Pombal, Fernando Pessoa, Camões, Praça do Comércio, elevador de Santa Justa, elevador da Graça e das vistas maravilhosas sobre a cidade, com o Castelo de S. Jorge, a Sé e o Tejo em destaque. Fica para a memória o majestoso jantar no Bairro do Avilez. Divinal. O espaço, a comida e, sobretudo, a companhia.

No caminho rumo ao norte fizemos desvio pela Gafanha da Nazaré porque, nas pequenas loucuras que se me acometem, queria visitar um farol. Embora fosse o dia e hora indicados, não foi possível levar avante o projeto. A desorganização da visita – não cheguei a perceber se era viável – aliada à frequência hostil e à falta de lugares de estacionamento empurrou-nos dali para o destino final: a santa terrinha.

Atracamos na casa dos avós até ao regresso à nossa, embora com algumas saídas pelo meio:
- Tivemos o jantar no palácio dos compadres com a nossa grávida, que está maravilhosa! As correrias dos dois índios com a Sky e o banho que se impôs após aquele percalço na quinta ficarão na memória de quem lá esteve;
- Fomos, com a querida Sónia e o Francisco (que além de filho da minha amiga, é amigo do meu filho), à Feira Medieval de Santa Maria da Feira – vale a pena e voltaremos;
- Ainda demos um pulo a Vila Real, para cinema e jantar com os compadres e as nossas criaturas – as nossas saídas conjuntas são sempre animadas;
- E no demais foram passeios de mota do pequeno príncipe com o avô – ganhou uma queimadura de grau desconhecido, mas de aspeto horroroso numa perna – idas ao café emborcar mais gelados, brincadeiras com os primos, correrias pelos quelhos atrás da bola, escapadelas para ir ver os gatos bebés na casa velha e voltar cheio de pulgas ou lá o que era aquilo, algumas tentativas de passar horas a jogar na tablete… e ajudar a mamã a fazer espanta espíritos com o sacalhão de conchas que trouxemos de Espanha (eram tantas e tão lindas, que não pude resistir).  

Se é verdade que o meu filhote demonstrou manter umas arestas para limar (é teimoso e anda particularmente provocador, dizendo e fazendo o contrário daquilo que sabe que esperam dele), no computo geral foram dias prazerosos, de merecido descanso.

O pequeno príncipe divertiu-se imenso, permitindo-se desfrutar de uma liberdade que não é possível no resto do ano. Fez amigos na praia, fez amigos na piscina, fez amigos no tasco da terra e voltou convicto de que metade da aldeia é família (o que não é verdade).
Com energias renovadas e marcas de guerra, regressamos ao doce lar, já com saudades do mar e da dolce vita.

A três é que é bom!