segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Do inexplicável

Costuma-se dizer que aquilo que não tem remédio, remediado está.

Esta máxima não é, infelizmente, extensível ao inexplicável. Não podemos dizer que “o que não tem explicação, explicado está” e muito menos podemos ignorar os questionamentos das nossas crianças, respondendo “porque sim”, furtando-nos a satisfazer a sua curiosidade nos temas mais diversos.

Mas o que responder à pergunta: mamã, porque é que há uma guerra? Gostaria de poder dizer ao meu pequeno príncipe que sonhou com isso, que são fake news e que no mundo reina a paz e o amor. Mas não posso.

Não ignoro o que se está a passar.
Não faço ideia sobre o que estará por vir.
E tudo isto é terrivelmente assustador!

Para tentar acalmar o coração do meu menino – e o meu! – digo-lhe que os problemas não se resolvem com guerras mas a conversar. Tal como nós fazemos na nossa vida de todos os dias, os representantes dos dois países envolvidos neste conflito vão ter que se sentar à mesma mesa e, civilizadamente, procurar um entendimento.
As guerras só trazem desgraça e destruição. Não acrescentam valor. Mostram o que de pior as pessoas têm dentro de si.

Num mundo perfeito, não existiriam armas.

Num mundo perfeito cada um respeitaria a individualidade do outro.

Num mundo perfeito a Rússia metia a viola no saco e deixava a Ucrânia, livre e independente.

Quando acreditamos muito numa coisa, com muita muita força, ela torna-se realidade.

Eu acredito.

Acredito na humanidade e na justiça. Acredito que no meio da podridão, vozes se levantarão para acabar com esta insanidade.

Enquanto o fim não chega, não posso deixar de lamentar pelas vidas já perdidas, pelas famílias desfeitas e pelos futuros irremediavelmente embargados.

E ao fim do dia, quando dou um beijo de boa noite ao meu filho, agradeço aos céus por mo ter dado e peço-lhe que jamais mo tire.

A três é que é bom!



segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Das coisas simples

Costuma-se dizer que o Natal é quando o Homem quer. Aproveitando essa flexibilidade das coisas, o Ministério da Educação cá do sitio entendeu que as férias de Carnaval seriam, este ano, duas semanas antes do entrudo.

Compreendo que se trata de uma medida que visa equilibrar os períodos de aulas e de repouso dos miúdos e elogio esse cuidado. Porque vejo no meu filho o quanto as paragens são importantes para recarregar energias.

Não obstante, nem todos os alunos têm reais períodos de férias, podendo ficar em casa ou, melhor ainda, sair e viajar. Alguns, como o meu, têm, apenas, períodos sem aulas – porque como os pais trabalham, levantam-se cedo igual e passam o dia nas estruturas de acolhimento.

Eu sei que o meu pequeno príncipe não aprecia ir para a maison relais. Mas não há muito que possamos fazer para remediar isso. O que está ao nosso alcance é valorizar o tempo que passámos juntos e tentar, nesses períodos, criar memórias felizes.

Foi nesse intuito que programamos uma coisa tão simples quanto ir ao cinema, ver o Sing 2 – filme que ele andava ansioso por ver. Já não íamos há anos! Nunca fomos muito, mas desde que eclodiu a pandemia nunca mais lá pusemos os pés. E sabe bem, sobretudo em dias de inverno.

Assim, disse ao meu pequenito que para sábado tínhamos agendada uma saída. Na sua ânsia do que está por vir tentou, por várias vezes, saber o que seria. Para o sossegar e o impedir de delirar nas expectativas (e sair frustrado), disse-lhe que era um programa bem simples, sem sair do país e que tinha a certeza que ele ia gostar.

E é claro que gostou. Gostou muito! Do filme, principalmente. Mas também das pipocas e dos M&Ms. De sair de casa e fazer alguma coisa de diferente. De criar memórias.

E na vida devemos guardar memória apenas dos bons momentos. Dos maus devemos tirar o devido ensinamento e prosseguir.

A três é que é bom!



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Da frustração

Recordo, sem precisão do momento, quando, em conversa com o papa, concordávamos que para fazer crescer o nosso filho era necessário habituá-lo ao sentimento de frustração e permitir-lhe aprender a lidar com ela. Deixá-lo perder nos jogos e brincadeiras. Não lhe dar tudo o que quer. Dar-lhe, até, o que não quer.

É claro que isto já foi há anos.

Até então ainda não aprendeu.

A título de exemplo, ainda ontem me aborreci com ele quando, tendo perdido contra o pai a jogar na consola, se pôs a chorar baba e ranho e a protestar como um desmiolado.

É certo que esta dificuldade em lidar com a frustração não é um problema só das crianças. Há por aí muitos adultos que também não sabem gerir a raiva que sentem quando os seus desejos são contrariados.
Não invalida que a aceitação de que nem tudo vai correr a contento seja uma questão fundamental para o crescimento saudável.

Voltando ao episódio da consola, eu compreendo que o meu pequenote não goste de perder – aparentemente este é mais um dado genético que lhe foi transmitido pela mamã, que também não aprecia perder, nem a feijões – contudo, mais do que espernear e fazer uma crise, importa refletir no que correu mal e no que pode fazer para melhorar.

Perante a adversidade, importa assumir que, se não tem solução, solucionado está.
Importa aceitar que na vida não vamos conseguir sempre tudo o que queremos nem como desejamos.
Bem pelo contrário.
E ainda bem. Porque, convenhamos, muitas vezes não sabemos o que é melhor para nós e se a vida nos coloca noutro caminho, será por alguma razão.

Estou convencida que, nos momentos de contrariedade, desapontamento e desencanto, ter cimentado em nós que a frustração faz parte da vida e saber aceitá-la é meio caminho andado para não deixar fugir a oportunidade de fazer, se não melhor, pelo menos diferente.  

Em modo de conclusão diria que, nesta dura profissão que é ser mãe/pai, cabe-nos a estranha obrigação de frustrar os nossos filhos, para que a frustração deixe de ser frustrante. Que belo trocadilho. 

"Pedras no caminho, guardo-as todas. Um dia vou construir um castelo." (citação sem fonte inequivocamente conhecida).

A três é que é bom!  



terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Eu, pelos olhos dele

Na entrada anterior falei-vos do contágio do meu pequenino e da prisão domiciliária. Do medo e da angústia da potencial evolução do vírus. E de como, no final, apenas ele esteve contaminado, apesar dos beijos e abraços e amassos.

Não vos falei da outra face da moeda. De como é ter um miúdo em forma fechado em casa, com a obrigação de acompanhar os trabalhos escolares, mas sem os prazeres do recreio e das brincadeiras com os amigos.

Foi duro. Foi muito duro!

Começávamos, todas as manhãs, com o plano do dia, escolhido de entre as atividades daquele que era o plano semanal preparado pelo professor. O meu rebento estava consciente, portanto, da meta a alcançar, embora tivesse a possibilidade de escolher os caminhos para lá chegar.
Mas nem essa relativa liberdade foi bastante para o motivar. Fez birras, protestou, barafustou, procrastinou.

De nada lhe valeu.

No final, todos os trabalhos foram feitos e toda a matéria foi vista. Como não podia deixar de ser.

Nesta guerra constante que é convencer o meu filho de que tem de se aplicar na escola, as lutas são sempre mais acesas quando se trata de fazer os exercícios de alemão. Não que tenha propriamente dificuldades. Tem um repudio natural que o impede de apreciar a língua e a sua simplicidade na escrita. É claro que nem tudo é simples e que a gramática é meio estranha, mas o que seria da vida sem um pouco de pimenta?

Como o pilar central da matéria, na disciplina de alemão, para a semana em que estivemos encerrados em casa era aprender os adjetivos, um dos exercícios previstos para contexto de aula era a descrição (oral) de alguém.
Mas o professor não poderia corrigir e avaliar a descrição do meu filho, a não ser que a escrevesse. Sua reação: “Escrever?!? Não! Isso é que não! Escrever é uma coisa terrível, que deveria ser proibido nas escolas… “

Pois bem! Não escrever não foi opção.
Talvez para se vingar um pouquinho do “mal” que lhe fiz, decidiu descrever a mamã.

Na sua primeira versão disse que eu era chata, má e feia. Eu li, não estranhei nem me descompus. Aceitei que aquela era a sua visão sobre mim, naquele momento de pós-guerra, chateado e contrariado por tê-lo obrigado a escrever meia dúzia de palavras.
Na versão final, transcrita no caderno minutos depois, alterou o feia por bonita, mas manteve que sou má e chata.

Acho que aceitava melhor ser feia – até porque tenho espelhos em casa.
Ver-me como uma mãe que é má e chata entristece-me um pouquinho. Não porque me reveja nas suas palavras, mas porque constato que ele não compreende o alcance do meu amor. Não percebe que quando passo “horas” a aborrecê-lo com a história de que deve esforçar-se por dar o seu melhor e concentrar-se nos trabalhos, é apenas e só porque quero o melhor para a sua vida.
Não percebe agora.
Mas um dia vai perceber.
Porque uma coisa eu sei: vou continuar a ser má e chata e a puxar por si até pôr a nu toda a sua grandiosidade.

O mais hilariante na descrição que faz de mim é o cabelo laranja. Não sei de onde lhe vem essa convicção. Há anos que me o diz. Será premonitório? Será que vou acordar com as brancas todas alaranjadas? Isso é que era!

A três é que é bom!




quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Da prisão domiciliária

Felizmente que este pode ser o título desta entrada.

Agradeço aos céus por poder fazer uma piada parva com os dias de isolamento do meu pequeno príncipe, considerando-os como dias de prisão domiciliária e sem guardar uma recordação amarga da sua contaminação pelo coronavírus.

A taxa de contágio na sua turma e na estrutura de acolhimento era tal que não havia dúvidas que chegaria. Só não sabíamos quando.

Foi na quarta-feira, dia 26 de janeiro, às 7h e pouco da manhã. O meu pequenito acordou e queixou-se que lhe doía um pouco a cabeça. Os dois testes rápidos que fez (sim, que além da segunda linha ser muito ténue, não queríamos acreditar que o maldito bicho se tinha infiltrado em nossa casa e fizemos dois testes de enfiada) foram a revelação de que a “visita anunciada” chegara.

A dor de cabeça foi o único indício de que alguma coisa não estava bem no seu sistema. Não teve outros sintomas nem desarranjos.

Cada vez que lhe colocava a mão na testa era um alívio sentir a normalidade. Cada vez que lhe perguntava se se sentia bem e me dizia, sorridente, que sim, era um conforto desmedido.
Mas saber que o vírus circulava no seu corpo e que, a qualquer momento, poderia deixá-lo doente… deixava-me interiormente em pânico.

A impotência de uma mãe face à doença de um filho é a dor mais insuportável deste mundo.

Não sendo eu por natureza uma pessoa pessimista, mesmo agora que, supostamente já passou, não posso deixar de, lá no fundo da minha cabecinha, temer por eventuais sequelas que este malfadado vírus possa ter deixado no meu Amor Maior e que só o futuro poderá revelar. O medo do mal que lhe possa acontecer é tão grande que nenhum dado da ciência pode afastar.
Não obstante, sei que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para o proteger e tentar que não fosse contaminado. Mas tornou-se inevitável e aconteceu.

O que curiosamente não sucedeu foi um contágio coletivo em nossa casa. Não sou eu quem vai tecer considerações sobre o porquê e o porque não – até porque ninguém saberá dar uma resposta exata. Não aconteceu. E ainda bem.

Posso esclarecer, contudo, uma coisa: não foi por falta de contacto!

O meu menino, ainda não tinha sido apanhado nas malhas do vírus, e já perguntava: se eu apanhar o covid vocês vão-me isolar? É claro que não!

Embora o pai ainda tivesse questionado se não deveríamos pôr alguma distância entre nós (o que lhe valeu o ressentimento do filho durante uns dias), a mim jamais me passaria pela cabeça colocar o meu pequerrucho fechado no quarto – ou noutra peça qualquer da casa – longe dos meus braços e dos meus cuidados.

Senti outrossim, nestes dias, a sua enorme necessidade de conforto e de apoio. Procurava constantemente contacto físico, sentindo-se protegido no ninho do colinho da mamã. E, como sempre lhe digo, o meu colo será para sempre seu. É o lugar seguro para onde poderá/deverá sempre voltar, no matter what.

A três é que é bom!