quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Dos pés sem chão

Curiosamente, e talvez por uma questão de sobrevivência – porque seria um inferno reviver continuamente certos acontecimentos da nossa vida - o nosso cérebro tem tendência a bloquear episódios traumáticos.

Só isso justifica que, quando resumi sucintamente as nossas férias, não me veio a lembrança do pior momento de toda a minha existência. Sim, aconteceu nas férias. E embora tenha a certeza que não me esquecerei desse dia, vou tentar contar o incontável (quando me refiro ao incontável, não falo propriamente do que aconteceu, mas do que senti).

Nos dias que passamos no Algarve ficamos alojados num hotel que não fosse o preço excessiva e injustificadamente caro, teria respondido às nossas expectativas. Plantado no alto da Praia da Falésia, com um mar imenso pela frente, dispõe de vastos e bem cuidados espaços exteriores e quartos relativamente ajeitados repartidos por pequenas moradias.  
Numa noite, no regresso ao nosso quarto depois de jantar, o nosso pequeno príncipe desata a correr na direção oposta a dizer que dava a volta por trás e nos encontraria logo à frente, no atalho para o nosso alojamento. Distraídos pela conversa e apanhados de surpresa, nem nos deu tempo de reagir. Continuamos a caminhar, lentamente, à espera de o ver surgir. Como não o via/ouvia e no caminho que tomou havia outras moradias que me impediam de o ter sempre debaixo de olho, o coração começou a apertar e separámo-nos: o meu marido seguiu o caminho que o nosso filho tomou e eu avancei para onde era suposto vê-lo chegar. Nada! Já a tremer e com o coração descompassado, peguei no telefone para tentar ligar ao papa, para saber se o tinha encontrado – mas não fui capaz. Não conseguia ver o que fazia, não encontrava a lista de contactos, estava desorientada. E nesse desnorteamento aparece o meu marido no atalho, sozinho, também a tentar ligar-me…

Onde é que ele está? Onde é que ele está?

Escrevo isto enquanto volto a ter o estomago remexido e um sufoco de dor no coração, ao recordar que naquele dia perdi o chão e pensei: isto não me está a acontecer. Um segundo, fração de um segundo.

Sem conseguir pensar o que fazer, desatei a correr na direção que o Matias seguiu, a gritar pelo nome dele, desorientada e louca. O meu marido seguiu outro caminho, igualmente desesperado. Nada.

Volto para o sentido do quarto e vejo-o, a correr, transpirado e assustadíssimo, solto na minha direção. Foi o abraço que me devolveu a vida. Meu Deus. Nunca tive tanto medo. Nunca me senti assim perdida.

Falhou o atalho e continuou a corrida até encontrar caminho conhecido (bem lá no extremo oposto) e regressar ao quarto. Estava tão desarmado quanto nós.

Não sei quanto tempo é que isto durou, mas no total não seriam mais de 5 minutos. Mas foram momentos eternos e de um vazio e dor tão avassaladores que a lembrança esmaga como se fosse agora.

Uma lição para a vida: não acontece só aos outros.

A três é que é bom!



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