Curiosamente, e talvez por uma questão de sobrevivência – porque seria um inferno reviver continuamente certos acontecimentos da nossa vida - o nosso cérebro tem tendência a bloquear episódios traumáticos.
Só isso justifica que, quando resumi sucintamente as nossas
férias, não me veio a lembrança do pior momento de toda a minha existência.
Sim, aconteceu nas férias. E embora tenha a certeza que não me esquecerei desse
dia, vou tentar contar o incontável (quando me refiro ao incontável, não falo
propriamente do que aconteceu, mas do que senti).
Nos dias que passamos no Algarve ficamos alojados num hotel
que não fosse o preço excessiva e injustificadamente caro, teria respondido às
nossas expectativas. Plantado no alto da Praia da Falésia, com um mar imenso
pela frente, dispõe de vastos e bem cuidados espaços exteriores e quartos
relativamente ajeitados repartidos por pequenas moradias.
Numa noite, no regresso ao nosso quarto depois de jantar, o nosso pequeno príncipe
desata a correr na direção oposta a dizer que dava a volta por trás e nos
encontraria logo à frente, no atalho para o nosso alojamento. Distraídos pela
conversa e apanhados de surpresa, nem nos deu tempo de reagir. Continuamos a
caminhar, lentamente, à espera de o ver surgir. Como não o via/ouvia e no
caminho que tomou havia outras moradias que me impediam de o ter sempre debaixo
de olho, o coração começou a apertar e separámo-nos: o meu marido seguiu o
caminho que o nosso filho tomou e eu avancei para onde era suposto vê-lo
chegar. Nada! Já a tremer e com o coração descompassado, peguei no telefone
para tentar ligar ao papa, para saber se o tinha encontrado – mas não fui
capaz. Não conseguia ver o que fazia, não encontrava a lista de contactos,
estava desorientada. E nesse desnorteamento aparece o meu marido no atalho, sozinho,
também a tentar ligar-me…
Onde é que ele está? Onde é que ele está?
Escrevo isto enquanto volto a ter o estomago remexido e um sufoco
de dor no coração, ao recordar que naquele dia perdi o chão e pensei: isto não
me está a acontecer. Um segundo, fração de um segundo.
Sem conseguir pensar o que fazer, desatei a correr na
direção que o Matias seguiu, a gritar pelo nome dele, desorientada e louca. O
meu marido seguiu outro caminho, igualmente desesperado. Nada.
Volto para o sentido do quarto e vejo-o, a correr,
transpirado e assustadíssimo, solto na minha direção. Foi o abraço que me
devolveu a vida. Meu Deus. Nunca tive tanto medo. Nunca me senti assim perdida.
Falhou o atalho e continuou a corrida até encontrar caminho conhecido
(bem lá no extremo oposto) e regressar ao quarto. Estava tão desarmado quanto
nós.
Não sei quanto tempo é que isto durou, mas no total não
seriam mais de 5 minutos. Mas foram momentos eternos e de um vazio e dor tão
avassaladores que a lembrança esmaga como se fosse agora.
Uma lição para a vida: não acontece só aos outros.
A três é que é bom!
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